Introdução

O uso de métodos de anticoncepção pelas mulheres é frequente. Pílulas anticoncepcionais e outros métodos hormonais são utilizados por milhões de mulheres em todo o mundo. Fica clara a necessidade de avaliarmos a influência destes métodos na gênese do tumor de mama.

Por outro lado, mulheres cada vez mais jovens vêm sendo tratadas por tumores mamários. Estas manterão sua vida sexual, devendo ser orientadas também sobre os métodos de anticoncepção permitidos. Ainda nesta mesma mulher em idade reprodutiva,
devemos nos atentar para a preservação da fertilidade, pois a quimioterapia utilizada no tratamento pode comprometer a função reprodutiva.

Anticoncepção

Aproximadamente 60% das mulheres em idade reprodutiva utilizam métodos de anticoncepção. A escolha do método é comumente feita de maneira “ocasional”, sem uma anamnese completa da mulher, com avaliação de doenças associadas, hábitos,  antecedentes pessoais e principalmente familiares. Os métodos anticoncepcionais possuem efeito não apenas na capacidade de evitar uma gestação indesejada. Podemos escolher medicações que tragam outros benefícios para a mulher, como tratar e prevenir
algumas doenças. Por outro lado, a escolha inadequada do método pode implicar o aumento do risco de algumas doenças, como o câncer de mama.

Anticoncepção e Risco De Tumor De Mama

Avaliar a história familiar de uma mulher é etapa fundamental na escolha de um método de anticoncepção. Neste capítulo, abordaremos apenas os aspectos relacionados ao tumor de mama. Vinte a 30% das mulheres com tumor de mama têm pelo menos um parente com a doença. Porém, apenas 5% a 10% têm comprovada predisposição hereditária.

Há muitos trabalhos apontando que o uso de anticoncepcionais orais traz efeito protetor para tumores de ovário. Porém, os dados não são conclusivos quanto aos tumores de mama.

Três grandes estudos epidemiológicos não demonstraram associação entre o uso de contraceptivos orais e o câncer de mama. Em um deles, que seguiu quase 50 mil mulheres em média por 24 anos, o risco de câncer de mama foi similar em usuárias
e não usuárias de pílula (RR 0,98, 95% CI 0,87- 1,10)1. No Nurses Health Study, em mulheres com idade acima de 40 anos, não foi observado aumento de risco naquelas com histórico de uso de pílula. Marchbanks et al., em estudo de caso-controle, compararam 4.574 mulheres com câncer de mama com 5.682 controles entre 35 e 64 anos, onde, não foi demonstrada associação entre a doença e a dose de estrogênio, duração
do uso, início do uso com menos de 20 anos ou raça. O risco relativo de câncer de mama, neste estudo, para o uso prévio de pílula foi de 0,9 (95% CI 0,8-1,0). Por outro lado, algumas meta-análises indicaram risco aumentado. Uma delas, com 53.297 mulheres com tumor de mama e 100.239 controles (Lancet, 1996), publicada anteriormente aos estudos acima, mostrou risco relativo aumentado nas usuárias de pílula (RR = 1,07). Vale ressaltar que as usuárias são jovens, portanto representam um pequeno aumento no risco absoluto. Também é importante colocar que apenas 40% destas mulheres utilizavam contraceptivos orais.

Nas pacientes com histórico familiar de tumor de mama, temos também dados conflitantes. No estudo caso controle acima mencionado, o risco não foi aumentado com o uso de pílula naquelas pacientes com histórico familiar de tumor mamário. Em
contraste, há uma revisão (Gabrick et al., 2000) que indica risco relativo aumentado (RR = 3,3), porém em mulheres que usaram pílulas antes de 1975; portanto, de alta
dosagem.

Naquelas pacientes carreadoras de mutações do BRCA, a anticoncepção oral poderia aumentar o risco de tumor mamário, porém é assunto ainda controverso.
Narod et al. em estudo de caso controle, nas pacientes com mutação do BRCA , nas que usavam anticoncepcional oral por pelo menos cinco anos tiveram um pequeno aumento no risco de câncer de mama (OR 1,33, 95% CI, 1,11 a 1,60) em comparação com aquelas que nunca utilizaram pílula.

Anticoncepção Após Tumor De Mama

Durante o tratamento do câncer de mama, a gravidez deve ser evitada, de forma que a contracepção é uma prioridade. De forma geral, podemos dizer que, após o câncer de mama, os contraceptivos orais hormonais continuam contraindicados, embora não seja fácil estabelecer os reais riscos da sua utilização nessas condições. Atualmente, está disponível o dispositivo intrauterino medicado com levonorgestrel, que libera altas doses locais de progesterona, mas com baixo efeito sistêmico. Sabe-se que o Mirena® pode reduzir o risco de alterações endometriais em pacientes sob tratamento do câncer de mama com tamoxifeno (Chan et al., 2007). Os estudos, no entanto, são pequenos e não incluíram recorrências ou novos cânceres. A análise recente de um estudo de coorte retrospectivo relatou tendência a maior recorrência de câncer de mama em usuárias de Mirena® no momento do diagnóstico e que continuaram a utilizar o dispositivo. Mas isso não foi observado em pacientes que passaram a utilizar o Mirena® após o diagnóstico do câncer (Trinh et al., 2008). Assim sendo, a real segurança do Mirena® após o câncer de mama ainda não está estabelecida. Desta forma, até o momento, deve-se esclarecer às pacientes que a segurança do Mirena® é desconhecida, sendo recomendável a prescrição de algum método contraceptivo não
hormonal.

Infertilidade

Definimos um casal como infértil quando este não engravida após um ano de vida sexual ativa sem uso de método de anticoncepção. A infertilidade conjugal acomete 10% a 15 % dos casais em idade reprodutiva, com tendência à elevação desses índices. Os supostos motivos para este aumento são diversos, valendo ressaltar o adiamento da maternidade pela mulher. É claro que com a modernidade, a mulher entrou no mercado de trabalho e adquiriu maior liberdade sexual com acesso a métodos de anticoncepção. O resultado disto é claro: cada vez mais temos mulheres buscando formar sua prole após os 35 anos ou até após os 40 anos, idade em que já há uma redução significativa da fertilidade. Neste cenário, também ocorre aumento da incidência de tumor de mama em mulheres que ainda não tiveram filhos.

Durante o tratamento de tumores mamários, é esperado que estas mulheres não engravidem, adiando a maternidade. Mais grave é a agressão aos ovários causada pela quimioterapia, comum em muitos tratamentos. O resultado disto é o comprometimento severo da fertilidade desta mulher, visto que boa parte destas sobreviverá ao tratamento. Torna-se obrigatória a abordagem deste problema e a inclusão de seu tratamento nos protocolos.

Não podemos afirmar que uma paciente exposta à quimioterapia ficará infértil. Muitas mulheres que recebem quimioterapia ficam amenorreicas, usualmente com alto nível de gonadotrofina sérica. Erroneamente, esta mulher pode ser diagnosticada como menopausada e infértil; porém, muitas destas recuperarão sua fertilidade e regularidade menstrual meses ou até anos após o final do tratamento.

Drogas alquilantes como a ciclofosfamida são as mais potentes indutoras de falência ovariana. Os efeitos são dose, droga e idade dependente. Mulheres com mais idade, principalmente acima de 40 anos, possuem maior probabilidade de amenorreia e comprometimento definitivo de sua fertilidade. Dois usuais protocolos de quimioterapia para tumores de mama iniciais incluem ciclofosfamida, metotrexate e 5-fluoracil (CMF) e doxorubicin e ciclofosfamida (AC). O risco de falência ovariana parece maior com CMF, comparado ao protocolo AC (Bines J et al., 1996). É claro que o ideal seria modificar os protocolos para aqueles que menos agridem os ovários, porém não podemos esquecer que o objetivo principal do tratamento é maximizar a cura da neoplasia.

PRESERVAÇÃO DA FERTILIDADE
A exposição de alternativas para a preservação da fertilidade às pacientes em situação de risco de seu comprometimento deve ser encorajada. Estas situações de risco podem se configurar apenas pela idade da mulher (acima dos 35 anos) bem como pela exposição à quimioterapia ou radioterapia. Não existe fórmula definida. A decisão de qual método será empregado dependerá de vários fatores, como idade, presença de parceiro, tipo e estadiamento do tumor, protocolo de radioterapia ou quimioterapia utilizado e tempo disponível antes destes. Colocar a idade como primeiro fator a ser avaliado parece óbvio, mas muitos desconhecem as limitações das técnicas de reprodução assistida. Independente do tratamento empregado, a taxa de gravidez é próxima a zero para óvulos obtidos de mulheres com mais de 45 anos. Mesmo naquelas com mais de 40 anos, as taxas de sucesso não ultrapassam 20% por ciclo, mesmo sem o emprego de técnicas de congelamento.

O tempo disponível antes do início da quimioterapia é fator de grande importância para definir se há possibilidade de indução da ovulação e coleta dos óvulos, para que estes sejam congelados ou fertilizados, com consequente congelamento de embriões.

Durante a quimioterapia não é aconselhável a estimulação da ovulação. Usualmente, são necessárias de duas a cinco semanas para a indução da ovulação, iniciando-se no período menstrual e com coleta dos óvulos após aproximadamente dez dias do uso de gonadotrofinas. No tumor de mama, há costumeiramente o intervalo de seis semanas entre a cirurgia e a quimioterapia, período adequado para a estimulação ovariana. Naquelas situações em que não houver tempo suficiente para se proceder à estimulação ovariana, há outras opções como a coleta de óvulos imaturos ou o congelamento de tecido ovariano (ver fluxograma de conduta).

Tumores de mama que possuem receptor para estrogênio podem ser especialmente prejudicados com os altos níveis de estradiol obtidos com o estímulo ovariano.

Situações como esta podem ser evitadas com o congelamento de óvulos imaturos e/ ou tecido ovariano, ou ainda com estímulo ovariano com inibidores da aromatase ou tamoxifen.

Inibidores da aromatase, como o letrozol, mostraram bons resultados associados a gonadotrofinas no congelamento de óvulos ou embriões em pacientes com tumor de mama. O letrozol permite redução no emprego de gonadotrofinas e níveis de estradiol próximos aos níveis fisiológicos, sendo teoricamente mais seguro para estas pacientes. Da mesma maneira, o tamoxifen, que é um modulador seletivo com propriedade antiestrogênica, pode também estimular a ovulação.

A supressão ovariana busca reduzir a função ovariana durante o período de tratamento, o que em teoria reduziria a lesão tecidual ovariana. Utilizam-se agonistas de GnRH ou pílulas anticoncepcionais durante o tratamento quimioterápico. O assunto ainda é motivo de debate. Porém, há três pequenos trabalhos randomizados, sendo um em tumor mamário, que não mostraram eficiência do uso de agonistas de GnRH na preservação da fertilidade em pacientes submetidas à quimioterapia. Também é questionada a segurança dos agonistas de GnRH, pois poderiam teoricamente reduzir a eficiência da quimioterapia.

Criopreservação

O congelamento de embriões é a técnica mais consagrada de preservação da fertilidade. Óvulos obtidos usualmente através de estímulo ovariano são fertilizados em laboratório e os embriões resultantes são congelados. As taxas de gestação, fruto de
embriões congelados, se aproximam daquelas resultantes de embriões transferidos a fresco (não congelados). Possui como principal desvantagem a fertilização prévia do óvulo, não possibilitando à mulher definir posteriormente o “pai biológico” de sua prole. Isto é, a mulher que realizará esta técnica deve ter um parceiro já definido ou utilizar esperma doado.

O congelamento de óvulos e vem se tornando opção principalmente
para aquelas mulheres que não possuem parceiro. Os óvulos, no entanto, são mais sensíveis ao congelamento, gerando taxas de gravidez ainda inferiores.
A estimulação ovariana com gonadotrofinas é usualmente empregada para que se obtenha o crescimento de mais folículos e mais óvulos maduros possam ser obtidos. O protocolo padrão se inicia no princípio da menstruação, quando, após ultrassonografia
e dosagens hormonais, aplicam-se gonadotrofinas por via subcutânea. Após aproximadamente dez dias de uso de gonadotrofinas, aspiram-se os folículos por via transvaginal sob sedação. Conforme mencionado anteriormente, em muitas situações a estimulação ovariana não é possível, seja por falta de tempo para o procedimento ou pela presença de metástase ovariana ou até pelo medo da paciente em usar hormônios.
Para todos estes casos, temos a opção de congelamento de óvulos imaturos, porém ressaltando que há o relato de poucos nascimentos com tal técnica. O tecido ovariano também pode ser congelado, porém é método experimental. O ovário ou parte deste é retirado por laparoscopia e congelado. O potencial benefício desta técnica é a não necessidade de estimulação ovariana, porém o resultado é muito ruim ou até ausente (principalmente para o ovário inteiro).

Dificuldades E Limitações

Não há grandes trabalhos controlados que avaliem a maioria dos métodos supracitados. Também não se pode perder o foco do objetivo, que é possibilitar que esta mulher tenha um filho saudável no futuro. Saber as porcentagens de nascidos vivos para cada método utilizado é a variável principal a compararmos quando avaliamos os resultados. Muitos podem afirmar que o fato de termos embriões, óvulos ou tecido ovariano já trará um conforto à paciente, o que é realmente importante, mas não se devem passar falsas expectativas.

O método mais consagrado e que apresenta melhores taxas de gravidez é o congelamento de embriões, porém a paciente precisará de um parceiro ou esperma doado. As melhores taxas de gravidez também necessitam de estimulação ovariana para que
seja extraído o maior número de óvulos maduros. Este tempo para que o procedimento seja realizado e os altos níveis de estradiol obtidos também são fatores importantes a serem considerados.

Tratamentos De Reprodução Assitida

Diante de um casal com infertilidade, a primeira etapa do tratamento é buscar encontrar a causa e, se possível, tratá-la. É obrigatória a busca do tratamento mais fácil e seguro para se obter uma gravidez. Naquela mulher que, por tumor mamário, tenha realizado algum tratamento de preservação da fertilidade e deseja engravidar, temos como primeiro passo a liberação por parte do mastologista e oncologista. Com esta liberação devemos partir para uma análise da fertilidade do casal, considerando principalmente a idade da mulher, a regularidade menstrual, o tempo tentando engravidar e também toda possível causa de infertilidade não relacionada ao tratamento do tumor. Os óvulos ou embriões congelados devem ser vistos como uma reserva ou seguro, o qual apenas será utilizado se não encontrarmos outra maneira para possibilitar a gravidez.

No diagnóstico de infertilidade, busca-se encontrar a causa e tratá-la especificamente, seja com medicamentos ou cirurgias. Quando isto não é possível, parte-se para métodos de reprodução assistida, como induções da ovulação, inseminação artificial ou fertilização in vitro. Os métodos de preservação da fertilidade acima apresentados serão empregados no tratamento de fertlização in vitro, nas situações de infertilidade conjugal em que as outras técnicas não se encaixam ou já foram tentadas sem sucesso.
É bem possível que a mulher que congelou seus óvulos ou embriões nunca venha a utilizá-los, pois poderá engravidar naturalmente ou com tratamentos mais simples. No pior cenário reprodutivo após o tumor de mama, a paciente não terá óvulos viáveis. Nesta situação, as opções são o uso de óvulos doados (ovodoação) ou a adoção
de uma criança. Na ovodoação, obtêm-se óvulos de uma doadora anônima, que são fertilizados em laboratório com o esperma do parceiro ou doado. Os embriões formados são posteriormente transferidos para o útero da receptora. As taxas de gravidez
são usualmente similares de mulheres jovens, com riscos reduzidos de aneuploidias, como a síndrome de Down e abortamentos, todos compatíveis com a idade da doadora dos óvulos. É técnica consagrada e segura.